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Posts Tagged ‘patologia’

Imagine por um momento que existem apenas dois teístas no mundo. Imagine agora que faz parte da crença do primeiro, acreditar na existência de um ser nascido de uma virgem, voltar da morte, tal como um zumbi e subir ao céu em carne e osso. Imagine agora que, após balbuciar algumas palavras em uma língua morta, você possa beber o sangue desse mesmo ser na forma de um copo de “Tang” de uva e que seu corpo pode ser comido da mesma maneira, como um biscoito ou um pedaço de pão.

Imagine agora que o outro crente acredite que, se ele explodir um grupo de americanos ou de judeus, será presenteado com 72 virgens após a morte e que, ao acordar, devemos lavar o nariz e expelir a água com força por três vezes, já que o diabo passa a noite em nossas narinas.

Compreendido isso, responda honestamente: se não fosse a enorme quantidade de pessoas com essas mesmas crenças, tal comportamento não seria considerado doença mental?

Claro que o cristão mais exaltado já deve estar espumando, mas digamos que o exemplo fosse atribuído a alguém que crê em Poseidon, por exemplo. Isso mesmo; e se um grupo de pessoas reivindicasse um feriado em homenagem ao mitológico deus grego, senhor supremo dos mares; e, se esse mesmo grupo também alegasse que esse famoso irmão de Zeus e de Hades exigisse, de forma habitual, a pratica de sacrifícios humanos em sua homenagem?

A alegação de que o Corão e a Bíblia são livros muito antigos e oferecem suporte às suas pertinentes doutrinas não é suficiente para desmerecer a crença grega. A Ilíada e a Odisséia são livros escritos muito antes dos livros sagrados das crenças muçulmana e cristã e também são lidos e vendidos até hoje. Parece-me, portanto, que a questão se dirime na quantidade de devotos e não na autenticidade da crença.

Que aconteceria se eu dissesse que acabei de ser abduzido ou que Elvis está vivo e vivendo em um porão em Graceland ou que possuo um duende em minha gaveta? Não seria o caso de se afirmar que a minha sanidade deveria, pelo menos, ser investigada? Acredito que sim.

Podemos sustentar, no entanto, que TODAS as crenças a que me referi até agora não possuem qualquer evidência de que são reais. A maioria das pessoas, porém, aceita a “veracidade” de algumas em detrimento de outras, exclusivamente pelo número de pessoas que as praticam. Suas únicas bases são seus livros sagrados, nada mais; contudo, é bom lembrar que, mesmo as religiões “socialmente” aceitas, possuem [cada uma] seus livros, que, na maioria esmagadora das vezes, são absolutamente contraditórios entre si. É cristalino que a questão se explica pela geografia, não pela verdade desses livros. Ou será que algum cristão realmente acredita que, se tivesse nascido no Paquistão, rezaria para Jeová?

Resta ao religioso a mesma alegação de sempre: “é a minha fé” e pronto. Com essa afirmação, ele espera resolver todos os problemas. Mas não o faz. Apenas se ilude, ao tentar atribuir um inútil condão à sua crença, que a exclua da responsabilidade de apresentar evidências, vez que, realmente, não as possui. É curioso, entretanto, que essa alegação só sirva para a crença particular de quem a professa, pois, se um muçulmano, por exemplo, afirmar que, segundo o Corão, Cristo não é filho de deus, o Cristão imediatamente o contradirá, aduzindo que tal fato não é verdade e que o islâmico não possui a menor evidência de que tal assertiva é verdadeira. Irônico não?

Mas quem tem fé precisa de evidências? Parece-nos perfeitamente razoável e honesto dizer que, se o religioso realmente se importa com o fato de que sua crença seja verdadeira, deve se preocupar com as evidências; afinal, nada se perde demonstrando a verdade, não é mesmo? Além disso, o próprio religioso reforça essa premissa quando afirma que vai à igreja, ao centro espírita ou à mesquita porque sua fé é baseada em algo real, quando garante que nada há de imaginário em deus. O nó górdio aí se localiza: se é importante que essa crença seja baseada em algo mais do que somente ser, em si, agradável ou confortável — afinal de contas o crente utiliza essa crença para guiar suas ações — é coerente que o religioso demonstre suas alegações absolutamente extraordinárias com EVIDÊNCIAS igualmente extraordinárias.

Em que pese que a maioria dos religiosos afirme que o seu deus pessoal só pode ser conhecido através de oração ou de meditação, cumpre lembrar que todas as experiências feitas pela ciência, até hoje, não vislumbraram nada que seja exterior à mente. Além disso, é claro que, se você não pode demonstrar, não pode ser considerado como prova ou evidência.

A verdade é que a crença pode e deve ser explicada psicologicamente. Historicamente, já SABEMOS que as pessoas criam mitos, que alguns escutam vozes e têm alucinações. Já SABEMOS que existem pessoas que são mais suscetíveis a transes, à hipnose e conversam com seus “amigos imaginários”. NÃO SABEMOS que existe um deus. Por outro lado, o que existe de comprovação, não no campo das teorias ou das racionalizações ignorantes, risíveis e irresponsáveis feitas, hodiernamente, por pastores, padres e médiuns televisivos a respeito do sobrenatural? A resposta, quando adotamos o mínimo de “honestidade intelectual” e paramos por um minuto de nos enganar, é a seguinte: NADA.

Pense bem, em pleno século XXI, com toda capacidade tecnológica de obtenção e de distribuição de dados pelo mundo, não há registro de um só caso que distorça as leis da física. Será que nunca há um cético chato por perto, para utilizar a câmera de seu celular e fazer a documentação? Você não acha que existe um bom motivo para a ausência dessas evidências? Pois é, elas não existem. Milagres são violações das leis da natureza. Eles não acontecem.

Alguns ainda podem insistir: mas ninguém é capaz de determinar o que é real ou não, o que é verdadeiro ou não. Não? Experimente ir a uma entrevista e afirmar ao psicólogo responsável pelo critério de admissão que aquele encontro é desnecessário porque deus, esquizofrenicamente, “falou-lhe” que você seria contratado independente da avaliação. Torça para que você “apenas” seja eliminado e não encaminhado a um hospital para exames psiquiátricos “mais profundos”. No mundo secular, a fé é uma bobagem e deveria ser considerada como a mais supérflua das experiências. Nietzsche já afirmava, com a sua habitual astúcia, que “uma visita ao hospício mostra que a fé não prova nada.” 

Nesse sentido, quem pode, pois, dizer o que é evidência ou não? Quem limita o que é real ou não? NÓS MESMOS ora! Quem mais poderia? Será que ainda existe gente que acredita que não possuímos qualquer método válido e confiável para separar realidade de ficção? Não se enviam pessoas para os hospícios todos os dias? Você acha que fazemos isso por maldade ou sadismo?

A igreja continua repetindo que ciência e fé não podem ser avaliadas da mesma maneira. É verdade. E sabe por quê? Sabe por que a física não possui equivalência com a teologia, por exemplo? Porque uma é real e a outra não! A física não produz resultados somente quando quer. A ciência “não deixa de funcionar” repentinamente porque o cientista não “recebeu” os cálculos do além. Já a teologia, o estudo das “coisas de deus”… Bem, para sermos educados, diremos apenas que é o estudo daquilo que não se pode de fato saber ou demonstrar”, vez que a crença lhe é fundamental.

É de bom alvitre salientarmos que existem diversas maneiras e critérios para se determinar o que é crível ou não para cada um de nós. O campo filosófico da epistemologia é responsável por tal missão, ao estudar a origem, a estrutura, os métodos, os limites e a validade do conhecimento; motivo pelo qual também é tipicamente conhecida por filosofia do conhecimento. Através dela, determinamos o que vale como evidência, o que conta como crença, e o conhecimento, como um subconjunto de crenças que podemos classificar como crenças verdadeiras justificadas.

Um exemplo muito conhecido e utilizado para demonstrar uma crença justificada é a órbita de alguns planetas. A órbita do antigo planeta Plutão, hoje  considerado “planeta-anão“, leva 248,54 anos-terrestres para ser completada. Sendo assim, a ciência moderna nunca pode presenciá-la. Mas a Astronomia, a Matemática e a Física, fornecem evidências e argumentações que justificam esse fato de forma inelutável.

Apesar de os religiosos não terem problema algum ao afirmar a CERTEZA de suas crenças sobrenaturais, alguns dirão que o exemplo acima não é certo. É justo, nesse diapasão, que o teísta de forma covarde e frequente, distorce os conceitos científicos. O pior é que o faz apenas para justificar o “deus das lacunas”, para inserir a mitologia e o fundamentalismo, não para contribuir positivamente e aprimorá-los. Não há “certeza”! A ciência não prova! Ah, Já sei! Então só pode ser Deus! Brilhante! Vale lembrar, só como adendo, que “tecnicamente” a  ciência produz evidências e a Matemática e a Lógica produzem “provas”.

Retire a “certeza” da discussão filosófica em comento. Nesse caso, ela só atrapalha, só serve como desculpa, como neblina para argumentação mais inteligente. Não é preciso ser brilhante para entender que, como conhecimento prático, tangível e ÚTIL, sabemos que gnomos não existem. Podemos afirmar, com boa dose de segurança, que o Caipora e a Cuca são apenas personagens de folclore, criados para assustar crianças, seguindo a cultura de determinada região, e qualquer um sabe que acreditar nesses seres é ridículo.

É, mas crer em um ser que escuta o que TODAS as pessoas na face da terra dizem ao mesmo tempo, vê tudo o que todos fazem e sabe tudo o que todos pensam, é perfeitamente admissível não é?

Se realmente essa mitologia faz sentido para você, tome sua dose de Risperidona e seja feliz. Não esqueça também de dar três pulinhos e agradecer a São Longuinho, pois você “encontrou” sua fé.

Em nome do Saci Pererê, basta de hipocrisias!

Por que a religião viva, e aí insiro o cristianismo, o islamismo e o espiritismo, merecem a prerrogativa de não serem questionados com base em um mundo real, que cobra evidências para tudo o mais? Porque são socialmente aceitos? Porque, economicamente, são viáveis? Porque servem como anestesia a uma população que não tem a quem recorrer e ajudam a controlar a desigualdade financeira? Porque nos afastam do temor da mortalidade? Porque nos faz sentir protegidos por algo “maior” que nós mesmos? OU PORQUE SÃO VERDADEIROS?

Se “fulano” afirma ter inventado uma pílula capaz de fazer as pessoas voarem, não cabe a “sicrano” provar que tal coisa não existe. O inventor tem que provar a sua afirmação. Todas as outras pessoas estão justificadas em recusar acreditar até que a evidência seja apresentada e analisada. Por que a fé merece ser desculpada?

Os teístas insistem, de forma habitual, em desafiar céticos e ateus a provarem que não há deus; mas isso expõe um erro crasso. Os céticos e ateus afirmam que a existência de deus não está provada, não afirmam que está provada a inexistência de deus. Parece-nos que o ônus da prova está do lado daquele que faz a afirmação.

Talvez, em longo prazo, os racionalistas não precisem se preocupar tanto; afinal, com Zeus, Odin, Osíris e tantos outros, já foi assim.  Hoje são deuses mortos, assim como com o avanço irrefutável da ciência, um dia os deuses vivos o serão também. Essa é a esperança, pois a alternativa é sermos consumidos pelo já conhecido fundamentalismo, acompanhado de todas as suas mazelas. Esse mesmo fundamentalismo, avalizado pelas mesmas escrituras, que, ao longo de tantos séculos, serviram como verdadeiro baluarte na luta contra o progresso e contra a libertação da humanidade.

 

Humberto P. Charles

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